Teresinha diz não se preocupar com o número de seguidores. Os quatro milhares de gostos fieis nas múltiplas representações de seus finos traços corporais que o digam. Sempre dignas, diga-se. Há que manter a fama de santa. Que para os dias que correm tornou-se também o proveito, visto que já não tem o famoso êxtase (pelo menos com companhia) desde o ínico da pandemia. Algumas das suas amigas pregam, que dada a conjuntura, o tinder é mais que aceitável. Mas o desprezo (e até algum nojo) que guardam da única conhecida que de facto o usa prova o contrário - como se a sua simpatia (claramente desesperada) alguma vez compensasse os quilos a mais, as agudas assimetrias faciais ou o seu geral desinteresse. Estava fora de questão. Tinder nunca. Mas os sítios de interação social estavam todos interditos. As festas proíbidas. Os bares fechados. As aulas online. Ainda por cima estando o seu corpo num auge nunca antes visto. O sol prevalente nesta sua vigésima segunda primavera deixou-lhe a pele escurecida, aclarou-lhe os cabelos e maturou-lhe os traços corporais. Os finos pulsos (que deixam fechar uma mão à sua volta) repletos de pulseiras orquestravam-lhe a leveza do andar - com ela oscilava a joalharia dourada e esvoaçavam os claros tecidos que suavemente coloridos seguiam o guiar da brisa. Os quarenta dias que tinha de ficar em casa já duravam há mais de um ano. Não é que estivesse farta das longas sessões de leitura ao sol na varanda, dos mergulhos solitários no mar de final de tarde ou dos longínquos passeios que deixavam o seu border collie exausto. Já estava era demasiado habituada à busca de carraças no pêlo do cão, aos pores do sol naquele areal, ao cheiro do creme hidrante, e aos devaneios pseudo intelectuais dos grandes autores germânicos. Apesar de adorar estes prazeres sozinha, queria partilhá-los.
Pode parecer estranho mas um dos meus prazeres prediletos é fazer diariamente o caminho a pé para a universidade. Há qualquer coisa maravilhosa em ver diariamente as ruas pombalinas sobre a luz matinal Lisboeta. A típica agitação tranquila nacional - a abertura calma das lojas, a calçada ainda fria, o chiar dos arejados elétricos. E torna-se ainda melhor quando é rotineiro. O mesmo senhor do café, e o mesmo pedinte de rua, e o mesmo dois cavalos amarelo. Lembro-me de reparar numa rapariga. Penso até ter sido a primeira vez que nos cruzámos: acho muito difícil que aquela frescura com que andava, a pinta com que se vestia e a aura que emanava não me chamassem anteriormente a atenção. Voltámos a cruzar-nos no dia seguinte. E no seguinte. Tornou-se um destes encontros rotineiros. Diariamente em sentidos contrários, em horários semelhantes e na mesma longa rua nos víamos. O olhar altamente tímido e complacente que trocámos à quinta ou sexta vez confirmou que esta atenção era mútua. A partir daí sempre que via aquela adorável cara vir em direção contrária à minha esboçava-se um envergonhado sorriso no meu rosto. Sorriso esse que dia-a-dia gradualmente se ia abrindo um pouco mais. Para minha total surpresa também o dela. Quem sabe, talvez fosse o ínicio de um lindo romance. Certamente um que a cultura do confinamento veio destronar. Sem idas para a universidade, não havia o passeio pedonal, nem os horários sincronizados, nem os avistamentos serendipitosos. Talvez regressassem, quando voltasse tudo abrir. Pode ser que sendo sobreviventes de uma pandemia global se desperte, de uma vez por todas, uma coragem para nos falar-mos. Até lá, esperei.
O seu bom comportamento cedeu-lhe o privilégio de andar sem trela. Podia então andar livremente pelo gigantesco jardim: cheirar os restos olfativos dos animais domésticos deixados nas pernas de seus donos, esfregar-se no cheiro viril do terreno junto às silvas, e até tentar urinar no ponto mais alto (é um jogo de cães, vocês não iriam perceber). Mas apesar de toda esta liberdade, acabava sempre hipnotizado pelos elegantes passos de Teresa e acabava sempre a segui-la a seu lado. Enquanto ia entretida com os seus podcasts e músicas, ele alegrava-se com o simples facto de ser visto a caminhar com ela. Ser o cão de alguém com tanta pinta dá um certo prestígio. Até que houve um cheiro que lhe despertou um especial interesse. Tinha que ir pesquisar. E já que estava em modo livre, assim o fez. Correu em direção ao cheiro. Mal reparou, Teresa desatou numa corrida que apesar da situação era lenta e aparentemente descontraída. Seguiu-o até um sitio meio refundido do jardim, junto ao palácio. Um espaço solarengo com bancos em mármore e uma vista especial. Num deles estava eu. Sentado. Junto a um livro aberto (com a capa para cima, para marcar a página) de devaneios filosóficos de Carlo Rovelli. A fazer festinhas ao pelo sedoso do amoroso cão branco e preto. Focadíssimo no ar de imensa satisfação espelhada no seu focinho arfado, de lingua de fora e olhos semi-serrados, quase a rir do quão agradáveis eram as minhas carícias. Extorqui — É lindo.; Em busca do dono (e de aprovação verbal) desviei o olhar. Ah! Os olhos rasgados, os dentes cintilantes, os cabelos de ouro - já os conhecia bem. Mas nunca vistos de tão perto. Euforia corria-me as veias, mas não o queria mostrar. As expressões faciais tornavam óbvio que ambos sabíamos perfeitamente da existência de outrem, mas com medo de tornar o ambiente esquisito, nenhum de nós admitiu. — Mantas! Senta!, ordenou enquanto lhe colocava a trela; Uau, a voz! Quase cantada. Fazia um leve cafuné nos pré-frontais. Já só procurava perguntas abertas para a fazer falar. — Ouvi dizer que são tramados, os cães desta raça!, Nunca ouvira tal coisa.; — Por acaso este não. É muito bem (...); Eu juro que queria tomar atenção ao que ela estava a dizer, mas aquele timbre lindo massajava-me o sistema nervoso todo. Estava deliciado. — (...) e raramente ladra! Exceto, claro, quando saímos de casa.; Quando olhava para ela, o meu cérebro inundava-se de dopamina. Mas rapidamente desviava o olhar, para não parecer estranho, o que tornava o ambiente infinitamente mais estranho. E ainda mais, estando nós em silencio há quase três segundos, que neste contexto é uma eternidade. Estava desesperado. — Sabias que foi aqui que o Monet pintou o Le Déjeuner Sur L’herbes?, eu sei, eu sei, mas foi o que me saiu; — Nas necessidades? Giro, não sabia que o Monet era carocho.; Ri-me — Então não é, e os críticos têm a audácia de andar para aí a dizer que o Le Ninfee são nenúfares. É claramente uma enorme plantação de erva. Este Monet não engana ninguém.; O cão já estava farto do cheiro das minhas pernas e decide tentar afastar-se puxando a trela. Ela puxa-o, não parecendo minimamente incomodada e continua como se nada fosse. — Como é obvio, e ainda chamam ao estilo impressionismo, deviam era chamar-lhe: um francês tão pedrado que pinta assim.; Rimos. Estava ao longe uma rapariga a fazer sinais gestuais para o Mantas, daí a sua agitação. — Teresa!, grita; Ela olha. — Parece que tenho que ir. Esta conversa do Monet vai ter que ficar para outro dia.; Aceno com a cara de quem cheira vinagre, mas está feliz. — Prazer., saiu-me; E que prazer. Estava estupefacto. E assim fiquei uns minutos. Estagnado na mesma posição, ainda com a memória fresca do seu cheiro, do timbre, das pupilas. Tentei voltar a ler. Mas era como se o livro só tivesse uma palavra: Teresa. Todos os capítulos, todas as páginas, todos os parágrafos - Teresa, Teresa, Teresa. Era imperativo voltarmos a ver-nos. Só quando acabei de escrever o nome próprio no motor de busca da rede social é que me apercebi. “E o apelido? Que idiota, não sei nada sobre ela.” Mas tinha um plano. Desde então, voltei àquele lugar diariamente. Tornou-se parte da minha rotina, não fosse um dia ela voltar. Com o mesmo intuito que eu, quem sabe. Mas parece que, dada a sua ausência, o interesse foi unilateral.
Com a maioria da população vacinada, começou tudo a voltar abrir. A abertura das discotecas era tão ansiada que as restrições de lotação não custavam nada. O que se queria era dançar, com outras pessoas de preferência. Venham de lá as máscaras, o desinfetante e o distanciamento. Como já era hábito antigo (e numa de matar saudades) afastei-me do meu grupo de amigos para rondar os quatro cantos da sala em danças malucas com desconhecidos. É quando passam Flume que os meus olhos se fecham e que a energia dos gins tónicos aguçam os meus dance moves. É nesse momento de êxtase que sinto a ponta de um dedo pousar na minha cabeça. Bem treinado como sou, parto imediatamente para um efusivo rodopio. A cada volta tento reconhecer o dono do dedo. O que é difícil à velocidade absurda da rotação. Viam-se dentes, olhos e pouco mais. Quem poderia ser? A escuridão intermitente tornava a tarefa ainda mais difícil. Mas quando um dos holofotes reflete por meros microsegundos nos seus olhos, arrebate-me um formigueiro que me percorre o corpo. Não acredito, é a Teresa. Comunicámos só com expressões faciais. Um equivalente a “olha quem está aqui, quem diria”. Os segundos inertes especados a olhar um para o outro deixaram-me em pânico. E agora? Decidi fazer o que faço melhor - dançar mal. Ganhei logo, ela riu-se e juntou-se a mim. E com os olhos cruzados, passos mirabolantes e sorrisos na cara, ali nos mantivemos. Em movimentos absurdos mas libertadores, estúpidos mas conectados, ridículos mas por isso belos. Até que ela decide virar-se de costas e seguir. “Isto foi incrível” pensei eu. Antes se quer de acabar o pensamento, vejo-a a correr na minha direção. Apesar de confuso, vi demasiados musicais para não perceber a sua intenção. Preparo-me para a receber, encolhendo os joelhos e esticando os braços. Ela salta, no momento exato do drop. E boom. Lá estava eu, a levitar Teresa, de braços esticados, em continua pirueta. Os seus cinquenta quilos pareciam meras gramas, seria mais pesado um saco de farinha ou um agrafador. Ela ria-se. Eu também - os cabelos soltos, vestido de verão, e a cara dela, obrigavam-me. Depois de a pousar, ficámos só a olhar um para o outro, parvos com o que aconteceu. Olhares presos (e orgulhosos até). Agarrei-lhe a cintura. Aproximámo-nos lentamente. Tinha a mente vazia. Era o sentir sem pensar do Caeiro. Levados totalmente por instinto natural os meus olhos fecharam-se. E a minha cabeça aproximou-se dela devagar. Os lábios estavam prestes a tocar-se. Esperei um pouco. Mas nada. Confuso, abri os olhos. Vi, lá ao fundo no seu levíssimo vestido branco, os deliciosos restos da corrida da fuga sorrateira de Teresa. Fiquei parado. A vê-la sair de plano. A apreciar. As noites seguintes foram difíceis. Rodopiava-me na cama assombrado por dúvidas. Estarei também eu na mente de Teresa? Às vezes uma pessoa esquece-se, mas a beleza pode ser tão traumática como um acidente. Até porque é um acidente. Ela não se esforçou para ser assim, ela simplesmente o é. A predisposição genética, a família onde nasceu, os livros que leu, as relações que teve... tudo culminou neste ser maravilhoso que não tem qualquer culpa de ser belo, mas que ainda assim o é.
Fui para o Alentejo com os meus três melhores amigos. Apesar de não me dar lá muito bem com o campo, dou-me muito bem com eles e só isso já compensa as carraças e o trabalho. Um deles fazia anos, e sendo época de exames iam uns quantos convidados só lá passar a noite. Foi quando voltava de alimentar as cabras (aterrorizado com a ideia de poder ter bichos a enterrarem suas nojentas cabeças em meus deliciosos vasos sanguíneos) que só pelo andar simultaneamente descontraído e delicado, talvez fruto do ballet, notei na presença dela. Só podia ser Teresa. Mais ninguém anda assim. Estava com as outras a preparar-se para entrar na piscina. Fui lá ter direto das cabras, queria exibir as minhas calças enlameadas, os ténis desfeitos, e o cheiro a animal. — Olá, meninas., clamei confiante e orgulhoso, levantando o braço de mão aberta; Ai, as saudades que tinha daquele olhar, cúmplice, maroto. Apresentei-me sucintamente para depois me ausentar. — Já vos falo, está bem? Vou só lavar-me que estou nojento!; Depois de um entusiasmado e ansioso banho fresco, voltei para cumprir a promessa. Quando me aproximo da piscina, só de calções de banho, já só lá estava Teresa. Estendida ao sol no parapeito junto à água, com um livro aberto na mão, mas a olhar para mim. Fiquei tão consciente do meu andar que perdi controlo sobre ele, estava em modo automático, robotizado, deficiente. — Então e as outras?, perguntei ainda em marcha, para quebrar o gelo; — Porquê? Eu não chego?; Apanhou-me de surpresa. Fiquei só com cara de parvo, enquanto entrava na piscina. — Eles foram mostrar-lhes o monte., esclareceu-me; O que me deixou a pensar se teria ficado por mim. — Não ia perder este sol, além disso é um monte alentejano, são todos iguais.; Desculpa esfarrapada. Dei um ou outro mergulho. O livro estava agora pousado ao lado dos olhos fechados sedentes de sol dela. Era Rovelli, os tais devaneios. Se isto não é sinal de interesse, não sei o que será. — Já chegaste à parte em que somos todos pequenos, ignorantes e insignificantes?, inquiri em tom mordaz; — Já tinha chegado antes se quer de o começar a ler.; Tinha sempre resposta na ponta da língua. Ficámos em silêncio. Um silêncio que ficava gradualmente mais confortável. Agradável até. Eu submerso de água até aos ombros, de sol dos ombros para cima. Ela na berma da piscina. Colecionando raios solares. Sentia-se cumplicidade no ar. Como se tivéssemos o batimento cardíaco síncrono. Uma paz partilhada. — Faz-me festinhas., pediu; Obedeci. O contraste da sua pele bronzeada com o dourado da pelugem que lhe percorria os braços era tal que podia ser visto mesmo com os olhos fechados - escorregando a mão devagar muito levemente ao longo do seu corpo, sentindo os finíssimos pêlos a erguerem-se e a lisa epiderme formando aspereza. Um arrepio que torna todo o físico e metafísico de Teresa num minúsculo mas vasto deserto de hirtas dunas celulares onde me podia perder para sempre. Beijá-la era eufemismo para o que queria fazer. Eu queria cheirá-la como à mais requintada linha de coca. Comungá-la como corpo santo. Saborear cada milímetro da sua pele. Trincá-la como uma maçã colhida há tão pouco que a casca tem gotas de orvalho. Inspirá-la como a salgada brisa da maresia matinal. Ouvi-la como a ultima peça de Mozart. Afogar-me nela como no mar. A ponta dos meus dedos deslizava nas linhas corporais. Das cartilagens salientes das orelhas à esfera saliente dos pés. Passando pela lisa e quente barriga e o suave e flexível pescoço. Onde fiquei uns segundos, numa massagem cíclica. A respiração dela era lenta e sentida. Ouvia-se prazer no expirar. Sentia-se o sangue navegar nas suas veias. O sino no céu da sua boca dava as doze badaladas, e acelerava o passo. O corpo movimentava-se com o seu respirar. As costas contorciam. As mãos agarravam a extremidade da pedra. Os olhos cerravam. Os membros tremiam. Os anjos cantavam. — Quem quer um gin?, interrompe um dos meus queridos amigos, acabado de entrar antes de reparar no cenário. Até que se apercebe. — Não me digas que agora também és chamã das massagens!; A minha expressão amarela aliou-se ao meu silêncio para constranger o momento. Ela veio acudir - Absolutamente divinais, diga-se. Ainda não estou em mim.; Quis mudar de assunto — Queres um, Teresa?, referia-me ao gin.; Fez-me sinal afirmativo. Tomei iniciativa. — Eu ajudo-te!; Saí da piscina, sem secar, o calor que estava tratava do assunto. Teresa manteve-se imóvel na berma de pedra, a ser beijada pelos raios solares. Também eles não lhe resistiam.
Quando o sol começou a ameaçar ir-se embora perguntei-lhe — Vamos dar uma volta?; E ao sabor de um pêro (daqueles tão bons que nem os bichos da fruta lhes resistem) como se nos conhecemos há longuíssimos anos a conversa fluiu. Falámos de tudo o que não é normal falar-se. E nestas conversas percebi que este é que era eu. O verdadeiro. O original. Um eu que nem sempre aparecia com os outros, mas que com ela era o único ser em mim. Por mera coincidência, à mesa de jantar, ficámos frente a frente. Naqueles olhos via as respostas a todas as minhas dúvidas. Não só sobre a óbvia reciprocidade, mas também as existenciais. Quem sente isto tem sentido para viver. Depois de jantar, deitei-me na pedra fria, a contemplar os corpos celestes. Foi perante a cintilante vastidão do universo que finalmente me apercebi do prazer que é ser pequeno, ignorante e insignificante. Fechei os olhos. Sentia-me. E queria sentir-me para sempre. No seu caminho de casa para o anexo, viu-me deitado. Chamou-me. Segui-a sem hesitar. — Diz lá, sua doida.; Atira-se num abraço quente (provavelmente da minha camisola que a vestia). Com um olhar adorável, deseja-me boa noite e deita-se. Deito-me na cama ao lado. E ambos encolhidos sobre os joelhos, permanecemos. A olhar um para outro, simplesmente. Puros. Até que adormeceu. E ali fiquei, horas especado, a contemplar a sua beleza. A linha que desenha o seu adorável nariz. Os espessos nervos que percorrem do pescoço até à saliência daqueles dois ossos quase simétricos mesmo acima da caixa torácica (será a extensão da clavícula?). As finas pernas que mesmo juntas e encolhidas deixavam entre elas um espaço sagrado onde o ar aquece e o tempo pára. As lisas pálpebras mais finas e delicadas que a mais requintada das sedas. As mãos torradinhas, mas as unhas quase brancas encostadas às levemente sardentas bochechas. Todos coordenados num belíssimo ciclo imposto pela sua lenta respiração. Nestes momentos gostava de ser pintor, escultor, ou poeta porque se algum dia algum conseguisse replicar tal beleza, teria o mundo a seus pés, tal como Teresa me tinha aos seus. E assim passei a mais bela noite da minha vida. A contemplar Teresa. Mais bela que qualquer sinfonia, mais bela que os mais encarnados dos pores de sol, mais bela que a mais parsimónica formula fundamental, mais bela que tudo. E com um sorriso amarelo acabei por entrar no mais pleno e profundo sono em que alguma vez estive. Sereno, limpo e final.
Acordei exatamente na mesma posição. Teresa já lá não estava, os lençóis acabados de desfazer, ainda quentes. A porta aberta do anexo deixava a brisa matinal entrar, e o som dos passarinhos. Levantei-me em sua busca, descalço, ainda de calções de banho. Corri o campo. A pedra fria nos pés. O orvalho das relvas altas carregadinhas de parasitas a molhar-me os pelos das pernas. Nada me importava. Só queria encontrá-la. Até avistar, lá muito ao fundo, a sair pelo portão do monte, o jipe onde viera Teresa e as amigas. Encarnadas e ressacadas, sem dizer adeus. E ali fiquei, mais uma vez, parado. A vê-la sair de plano. A apreciar.
Foi a última vez que vi Teresa. Presencialmente pelo menos, porque vejo-a sempre que olho as estrelas, que ouço a música do flume que leio Rovelli ou que passo na rua da escola politécnica. E nesses momentos fico triste por não a ter voltado a ver, mas profundamente feliz de a ter conhecido.
Escrito em 15 de Maio 2021