Fala-se muito aumentar a mobilidade social, mas uma coisa que ninguém percebe é que a grande maioria das vezes é descendente e não ascendente. Estamos em decadência, amigos.
As famílias a quem foram cunhados os apelidos porque tinham a educação, o património e a fé, agora têm -- os apelidos.
As instituições antes casa dos mais céleres pensadores (obviamente defensores dos alicerces teístas das sociedades monárquicas) estão agora cheias de cronistas sociais do daytime e jovens borbulhentos, que antes de se quer convocarem o debate, deixam a dúvida se não deviam haver excepções para a eutanásia.
Os poucos que conseguem ser educados nas artes liberais acabam perdidos nas escolas Frankfurt e nas balelas pós modernas que apropriaram o termo filosofia (sem qualquer Σοφία, ou Φιλία). Queridos, posso não saber qual é o sentido da vida, mas sei com certeza que não é passar a vida a pensar no sentido da vida. Mas também para quê escolher literatura e razão quando podes escolher drogas e nihilismo?
Uns quantos acabam nas faculdades neoliberais mercantilistas num tentativa de recuperar o poder que lhes foi privado. Sem sucesso escusado será dizer, a menos para quem ser analista numa consultora seja epítome da capacidade social. Que é uma tese um bocado refutada quando o impacto das suas decisões é no ‘sul global’.
Ainda há uns quantos que lá se mascaram de jornalistas ou políticos e acham que a casaca e os convites escondem já não serem o poder instaurado. Eles lá citam uns germânicos, mas nestes tempos já nem nove anos no deutsche nos passam muito do laterne.
Outros fogem do multiculturalismo cosmopolita para academia inglesa convencidos que os castelos medievais são símbolo de tradição, pelo menos até descobrirem que são os únicos brancos na turma. O Cambridge não compensa quando o RP (Received Pronunciation) foi substituído pelo APU (afinal era só ver Simpsons).
O grande capital português tem tanto de grande como de português -- que é nada. É o nosso fim quando o maior poder dum conde é abrir um turismo rural. A capacidade política dos nossos aristocratas é equiparável à de um merceeiro indostânico. E ele contribui mais para a sociedade.
Nós lá nos refugiamos na fé como remíscio da nossa tradição. Mas até a igreja teve de se adaptar ao nosso descambolar porque já que ninguém percebia nada de latim. Não me admira que os livros se tornem meramente decorativos se ninguém os consegue ler. Nem que a transubstanciação seja vista como ‘simbólica’ se ninguém compreende o que é metafísica. Até a solenidade que nos é característica é agora um bando de kumbayas proto-protestantes. Foi para isto que D.João V ergueu a estrela?
Aburguesámo-nos, amigos. A única coisa que jurámos nunca ser. E agora achamos que é um rancho nos casamentos que vai salvar alguma coisa. E assim arruinamos três coisas de uma vez: o rancho, os casamentos, e as costas da avó.
E haverá maior prova disso que fazer distinção de classe não por honra, respeito ou cordialidade mas por gírias e maneirismos? O colarinho branco ganha tons azuis muito rápido.
Deve haver certamente alguma parte de nós que não é superficial, nós é que não perdemos a profundidade para a descobrir.
E o problema também é estético. Para quê encher as nossas salas de pinturas figurativas iconograficamente ricas quando podemos ter um guaxinim feito de lixo? É porque gostamos muito de misturar o moderno com o antigo, mentimos para nós próprios como se não soubéssemos da queda a pique.
A desconcertante verdade é que as pessoas que trabalham e se esforçam mil vezes mais que nós, nunca vão ter o que nós temos. E esse é o seu maior luxo.
Gostamos muito de ajudar os mais desafortunados, mas nunca nos passou pela cabeça talvez sejamos nós os verdadeiros desafortunados.
Estamos condenados a um mero pastiche de uma cultura que simplesmente já não existe e por isso obrigados a abraçar a mediocridade deste mundo pós-moderno.
E não me compreendam mal, nós não estamos destinados ao fracasso, nós somos os frutos do fracasso.
Eu acho que os nossos pais foram a última geração. Já não há lugar para nós.
Podemos não ter a virtude, a influencia ou a fé, mas ao menos temos a pinta. Por isso brindemos, batendo com os copos e gritando ‘tchin-tchin’. Se se partirem, melhor, também já não fazem falta. Alguém sabe onde é que se compra um bom relógio?